terça-feira, 15 de junho de 2010
sexta-feira, 4 de junho de 2010
Bálsamo 8
As portas que me trancam
(Marina Colassanti)
A primeira porta é de madeira grossa. Obediente nos gonzos, lisa. Abre para uma sala grande de janelas ogivais quase seteiras encaixadas nos muros, origem da luz castanha que tudo lambe como um pelo. Não tem tranca.
A segunda porta é vermelha, dá para uma escada larga, mal iluminada, paredes e degraus cinzentos. Uma escada que desce entre poeiras. Tem um puxador estreito do lado de fora. Do lado de dentro tem que ser empurrada. Seu baque surdo repercute nas escadas.
A terceira porta é verde, de ferro. Dá para a mesma escada, agora mais estreita e mais escura, descendo em caracol. Tem uma tranca por dentro, barra grossa de ferro que se aparafusa na ponta para maior segurança.
A quarta porta é estanque. Barra a escada. A roda no centro indica fechamento de cofre. É de metal polida, marcada de arrebites, chapas sobrepostas em firme espessura. Conseguindo passar se saberia que abre para enormes salas, talvez cavernas, que bradas e estruturadas no arcabouço de vigas, nas arestas cortantes das abóbadas, entrecortadas por lances de escada que levam apenas a patamares e ao vácuo, ou então as esplanadas domadas por outros lances que adiante fogem em rampas. Cordas pendentes dos ganchos, agarradas nas vigas, enriquecem a sala de bordado de aranha. Rápidos voos entrecortam as arcadas.
Sete aberturas em arco marcam o início de sete corredores. Não têm portas. A entrada é livre. Levam às sete portas de um labirinto construído de tal modo que nunca se sabem qual é o teto e qual é o chão, onde a parte de cima e onde a parte de baixo, qual ele, qual o seu reflexo, se reflexo se pode chamar essa outra realidade. Mais difícil é saber, ao perseguí-lo, se é a pessoa que anda embaixo ou a que anda acima, pois o labirinto duplica tudo o que contém, sendo ele próprio duplo.
Não sei como se chega ao fim. Sei que no fim há uma porta. Pequena; bem pequena, por onde se entraria rastejando, a cabeça entre os braços; ao nível do chão, ou então de lado, as mãos ajudando o resto do corpo a passar. Eu mesmo nunca a atravessei.
As portas obedecem a ordens precisas, ditadas em silêncio.
Fecha-se a primeira ao grito da rua, à campainha toca, ao muito prazer com que cumprimentamos o novo conhecimento. É a porta de alerta, alarme das outras, que se abre porém com a mesma facilidade com que se fecha.
A segunda se tranca ao início da discussão, cumprimento da tarefa difícil, exercício do cargo. Pode ser aberta por fora, embora pesada. É por onde a descida começa. Adiante, fechasse a terceira.
A porta estanque está quase sempre fechada. Obedece, às vezes ao comando de abrir. Inútil forçá-la. Acionado, seu mecanismo se torna irreversível, e nada passa. Será preciso então esperar um momento sem perigo, o raro momento de suavidade em que a entrada é possível. Para avançar nas salas de grandes arcadas e duplicar-se no labirinto.
A porta pequena nunca se abriu. A intuição me diz do veludo e espinho, mucosa e lama, carícia de sangue. A intuição me diz de gritos no silêncio. Mas o medo guarda a porta, e mais forte fica quando cresce o desejo de abrir. Eu mataria o medo, se possuísse o que está atrás da porta. Mas não posso abrir, enquanto o medo estiver vivo. E a intuição me diz que atrás da porta é tudo.
(Marina Colassanti)
A primeira porta é de madeira grossa. Obediente nos gonzos, lisa. Abre para uma sala grande de janelas ogivais quase seteiras encaixadas nos muros, origem da luz castanha que tudo lambe como um pelo. Não tem tranca.
A segunda porta é vermelha, dá para uma escada larga, mal iluminada, paredes e degraus cinzentos. Uma escada que desce entre poeiras. Tem um puxador estreito do lado de fora. Do lado de dentro tem que ser empurrada. Seu baque surdo repercute nas escadas.
A terceira porta é verde, de ferro. Dá para a mesma escada, agora mais estreita e mais escura, descendo em caracol. Tem uma tranca por dentro, barra grossa de ferro que se aparafusa na ponta para maior segurança.
A quarta porta é estanque. Barra a escada. A roda no centro indica fechamento de cofre. É de metal polida, marcada de arrebites, chapas sobrepostas em firme espessura. Conseguindo passar se saberia que abre para enormes salas, talvez cavernas, que bradas e estruturadas no arcabouço de vigas, nas arestas cortantes das abóbadas, entrecortadas por lances de escada que levam apenas a patamares e ao vácuo, ou então as esplanadas domadas por outros lances que adiante fogem em rampas. Cordas pendentes dos ganchos, agarradas nas vigas, enriquecem a sala de bordado de aranha. Rápidos voos entrecortam as arcadas.
Sete aberturas em arco marcam o início de sete corredores. Não têm portas. A entrada é livre. Levam às sete portas de um labirinto construído de tal modo que nunca se sabem qual é o teto e qual é o chão, onde a parte de cima e onde a parte de baixo, qual ele, qual o seu reflexo, se reflexo se pode chamar essa outra realidade. Mais difícil é saber, ao perseguí-lo, se é a pessoa que anda embaixo ou a que anda acima, pois o labirinto duplica tudo o que contém, sendo ele próprio duplo.
Não sei como se chega ao fim. Sei que no fim há uma porta. Pequena; bem pequena, por onde se entraria rastejando, a cabeça entre os braços; ao nível do chão, ou então de lado, as mãos ajudando o resto do corpo a passar. Eu mesmo nunca a atravessei.
As portas obedecem a ordens precisas, ditadas em silêncio.
Fecha-se a primeira ao grito da rua, à campainha toca, ao muito prazer com que cumprimentamos o novo conhecimento. É a porta de alerta, alarme das outras, que se abre porém com a mesma facilidade com que se fecha.
A segunda se tranca ao início da discussão, cumprimento da tarefa difícil, exercício do cargo. Pode ser aberta por fora, embora pesada. É por onde a descida começa. Adiante, fechasse a terceira.
A porta estanque está quase sempre fechada. Obedece, às vezes ao comando de abrir. Inútil forçá-la. Acionado, seu mecanismo se torna irreversível, e nada passa. Será preciso então esperar um momento sem perigo, o raro momento de suavidade em que a entrada é possível. Para avançar nas salas de grandes arcadas e duplicar-se no labirinto.
A porta pequena nunca se abriu. A intuição me diz do veludo e espinho, mucosa e lama, carícia de sangue. A intuição me diz de gritos no silêncio. Mas o medo guarda a porta, e mais forte fica quando cresce o desejo de abrir. Eu mataria o medo, se possuísse o que está atrás da porta. Mas não posso abrir, enquanto o medo estiver vivo. E a intuição me diz que atrás da porta é tudo.
Mas o que eu queria dizer mesmo é que:
"Além do mais, a intuição fornece opções. Quando estamos ligados ao self instintivo, sempre temos pelo menos quatro escolhas... as duas que se opõem, a intermediária e aquela a que se chega após uma contemplação mais profunda."
(Clarissa Pinkola Estés)
(Clarissa Pinkola Estés)
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