segunda-feira, 27 de outubro de 2008

"As histórias como bálsamos medicinais"

Do livro Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estés.


"Sempre que se conta um conto de fadas, a noite vem. Não importa o lugar, não importa a hora, não importa a estação do ano, o fato de uma história estar sendo contada faz com que um céu estrelado e uma lua branca entrem sorrateiros pelo beiral e fiquem pairando sobre as cabeças dos ouvintes. Às vezes, ao final de um conto, o aposento enche-se de amanhecer; outras vezes um fragmento de estrela fica para trás, ou ainda uma faixa de luz rasga o céu tempestuoso. E não importa o que tenha ficado para trás, é com essa dádiva que devemos trabalhar: é ela que devemos usar para ganhar alma. [...]
Contar histórias é trazer à baila, trazer à tona. [...]
Ao lidarmos com as histórias, estamos trabalhando com a energia arquetípica, [...]
Espero que vocês saiam e deixem que as histórias lhes aconteçam, que vocês as elaborem, que as reguem com seu sangue, suas lágrimas e seu riso até que elas floresçam, até que você mesma esteja em flor. Então, você será capaz de ver os bálsamos que elas criam, bem como onde e quando aplicá-los. É essa a missão. A única missão."

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Novos Valores

"Os membros da sociedade de consumidores são eles próprios mercadorias de consumo, e é a qualidade de ser uma mercadoria de consumo que os torna membros autênticos dessa sociedade." (Z.B.)

Há alguns anos identifiquei uma diferença na demanda do consultório. Com o tempo, pareceu-me que aquela diferença tinha motivações "macro", que não estavam circunscritas apenas a minha realidade. Em linhas gerais, eu achava que as pessoas estavam dando menos valor às questões que são trabalhadas em terapia, achava que valores subjetivos estavam dando lugar a valores estéticos e materiais, talvez impulsionados pelo imediatismo - característica não comum nos processos terapêuticos. Observei também, na mesma época, o aumento do número de novas academias, salões de beleza e farmácias que comercializam produtos de beleza e não somente drogas, e não achei que esse fato fosse coincidência. Conversei com algumas pessoas sobre o assunto, mas não acho que tenham compartilhado da minha observação.

Acabo de ler Vida para consumo - a transformação das pessoas em mercadoria, de Zigmunt Bauman, sociólogo polonês já citado em posts anteriores. Comprei o livro porque imaginei que ele fosse fundamentar as minhas precárias idéias, li rapidamente - como não se deve fazer com um livro com conteúdo tão "revelador", e transcrevo aqui partes que me levam a pensar que eu não estava equivocada.

"Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável. A 'subjetividade' do 'sujeito', e a maior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentra-se num esforço sem fim para ela própria se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável."

"A 'subjetividade' dos consumidores é feita de opções de compra - opções assumidas pelo sujeito e seus potenciais compradores; sua descrição adquire a forma de uma lista de compras. O que se supõe ser a materialização da verdade interior do self é uma idealização dos traços materiais - 'objetificados' - das escolhas do consumidor."

"Pode-se dizer que o 'consumismo' é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, [...], transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade, uma força que coordena a reprodução sistêmica, a integração e a estratificação sociais, além da formação de indivíduos humanos, desempenhando ao mesmo tempo um papel importante nos processos de auto-identificação individual e de grupo, assim como na seleção e execução de políticas de vida individuais."

"A questão que exige uma investigação mais atenta diz respeito ao que 'queremos', 'desejamos' e 'almejamos', e como as substâncias de nossas vontades, desejos e anseios estão mudando no curso e em consequência da passagem ao consumismo."

"A economia consumista se alimenta do movimento das mercadorias e é considerada em alta quando o dinheiro mais muda de mãos; e sempre que isso acontece, alguns produtos de consumo estão viajando para o depósito de lixo. Numa sociedade de consumidores, de maneira correspondente, a busca da felicidade - [...] - tende a ser redirecionada do fazer coisas ou de sua apropriação [...] para sua remoção [...]."

"[...] a economia consumista tem de se basear no excesso e no desperdício."

"O valor mais característico da sociedade de consumidores, na verdade seu valor supremo, em relação ao qual todos os outros são instados a justificar seu mérito, é uma vida feliz. [...] uma felicidade instantânea e perpétua. Também é a única sociedade que evita justificar e/ou legitimar qualquer espécie de infelicidade [...], que recusa-se a tolerá-la [...]."

"A 'sociedade de consumidores', em outras palavras, representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas, e rejeita todas as opções culturais alternativas. Uma sociedade em que se adaptar aos preceitos da cultura de consumo e segui-los estritamente é, para todos os fins e propósitos práticos, a única escolha aprovada de maneira incondicional. Uma escolha viável e, portanto, plausível - e uma condição de afiliação.
Essa é uma guinada notável no curso da história moderna, um verdadeiro divisor de águas."

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Linha de Passe

Fui para o cinema com grande expectativa, ouvi e li muitos comentários favoráveis - vou parar de ouvir sobre filmes que pretendo assistir, tenho me decepcionado.

Achei lento; e olha que, quem me conhece sabe, gosto disso - não gostei dessa vez.

E angustiante.
Saí do cinema pensando que a angústia não era por aquelas personagens - ou por pessoas reais com aquela estrutura sócio-econômica-familiar-geográfica-etc.

A angústia era pela procura dO lugar.
E quem já não sentiu essa angústia?
Quantos de nós convive com ela diariamente?
E quantos fazem quase qualquer coisa para não repará-la, não pensá-la, não sentí-la, não vivê-la?

Eu sinto essa angústia. É, e talvez o filme tenha me desagradado, talvez me surpreendido, porque pensei que fosse assistir a um filme que abordasse, basicamente, a desigualdade, a falta de oportunidade de determinada parcela da população, principalmente das cidades grandes.

Mas não. Ele me remeteu à minha angústia, à minha procura, à minha falta.
Pra mim esse filme fala disso, independentemente de classe social, condição econômica ou posição geográfica - fala de busca e da angústia que ela pode causar.