sábado, 29 de março de 2008

Lapso

Do livro Conto a Gotas, ainda não publicado.

Era uma família de muitos irmãos. Família tradicional, com muito orgulho. Todos já estavam casados, tinham suas próprias famílias e maneiras de ver a vida. Encontravam-se com alguma freqüência, sempre em reuniões ou jantares animados e longos. Família numerosa. Havia grandes amores e alguns desafetos sempre disfarçados. Não valia a pena discutir algumas coisas, tornar público outras, levar a sério o que não era possível sustentar. Viviam assim e eram tão felizes quanto todas as outras famílias. Mas, um dia não foi possível encobrir o acontecido. Afinal, nem tudo pode ser contido. E o escândalo aumentava a cada fato novo. Edgar amava a mulher e acreditava, verdadeiramente, na recíproca. Nunca tinham tido grandes problemas e enfrentavam os desafios da vida como uma equipe. Mas a mulher o traíra. Uma única vez. O perdão não era humanamente possível. Encontrara, por acaso, com Ney, um amigo de infância, que disse ter visto sua esposa e seu irmão mais novo saindo de um motel. Não havia dúvidas, a placa do carro fora anotada. Edgar estava transtornado. A família não sabia como agir. Meses depois, Edgar foi absolvido, a alegação de perda temporária de consciência fora aceita.

4 comentários:

Paulo Paes disse...

Sinistro!!!!

Gustavo disse...

Uma boa estória concisa com ponto alto no final. Talvez fosse melhor excluir o Ney da estória, colocando o próprio Edgar como a pessoa que flagrou a traição (explico depois o porquê).
Gostei da "alegação" como estratégia para o desfecho. Para um conto "a gota", pequeno, o efeito surpresa cai muito bem. No final temos a palavra "absolvido" e parece ser aí que se encontra a chave do conto porque (para falar só de um dos motivos) ela encerra o último acontecimento abrindo caminhos de leitura. Podemos pensar que o protagonista cometeu um crime já que as palavras "absolvido" e "alegação" sugerem um julgamento. Teria ele matado a mulher? Ou o irmão? Ambos?
Por outro lado, podemos pensar "a perda temporária de consciência" não como uma consequência do ato da mulher, mas como um estado anterior de Edgar, ou seja, ele seria um "homem que ama demais",essa "paranóia" teria mexido com a consciência dele, levando-o a acusar injustamente - uma ficionalização no delírio - sua mulher causando um mal estar desestabilizador na família - lembrem-se que foi um escândalo, o nome do irmão foi citado. Nesse caso a família haveria absolvido Edgar da acusação. Para essa segunda interpretação talvez o Ney atrapalhe um pouco...

Acho que viajei um pouco porque senti que o conto carrega mais de uma possibilidade de final. A ambiguidade torna o texto sedutor - Missa do Galo , por exemplo.
Gostei e como conto curto funciona bem. Entretanto, este leitor ficou com vontade de saber o desenrolar do processo, os detalhes da relação do casal e de como Edgar descobriu a suposta traição - entendo perfeitamente que não foi o desejo do autor neste caso.

Anônimo disse...

Olha só.. vc tem um leitor exigente aí embaixo... hahahaha
gostei dos comentários dele e do conto, claro.. rs

bjinhos mami

Anônimo disse...

Tem um certo clima de um tal Nelson Rodrigues.
Gostei bastante!!!
Teremos um livro Contos e Gotas?
Tô na Torcida!!!
Bjus, Sergio Moreira