quarta-feira, 11 de julho de 2012

10 anos Flip

Primeira vez que fui à Flip. Algumas vezes pensei em ir, mas, por isso ou aquilo não aconteceu. Agora foi. Reservei a pousada, olhei a programação, comprei ingresso para algumas mesas, busquei na Off algumas coisas que me interessavam, vi jornais. O espírito não era de assistir a tudo, já não tenho mais a ilusão de não perder nada, acho que nunca tive. Queria apenas não ter muitos horários a cumprir, andar livremente, visitar o Poeme-se no cais, olhar o mar, tirar umas fotos, comer camarão, passar pelo Armazém Paraty para comprar bijuterias (passei mas não comprei, preços para turistas endinheirados). Sem grandes ambições.

Vou adiantar que gostei muito e que minha falta de ambição foi praticada prazerosamente naqueles dias naquela cidade linda e vestida de verão.

Perdi o show de abertura, era Lenine, mas tudo bem. Assisti à conferência de Antônio Cícero e Silviano Santiago sobre o homenageado - Drummond -, e a fala sempre deliciosa de Veríssimo. Santiago falou sobre como o mito do começo que toca a liberdade e o mito da origem que trata da tradição coexistem na obra de Drummond. Cícero leu e comentou o poema A Flor e a Náusea (1945), e falou sobre a flor ser uma metáfora da poesia. Inevitavelmente, pensei no que um sonho me disse, certa vez, e que trago sempre comigo: flores são metáforas.

Mesa 1 - Escritas da finitude
Três escritores brasileiros, gostei bastante, a finitude é um tema que me interessa e os três tratam do assunto com a intimidade de quem já sofreu o suficiente para escrever bem. Gostei em especial do mineiro Carlos de Brito e Mello, mas também de Altair Martins e André de Leones, este diz que sua escrita é impulsionada pela transitoriedade e que olha para a finitude enquanto espera o fim.
Altair Martins fala da "morte anímica" e de como a literatura serve para fazer com que entendamos essas mortes. "Só a literatura pode ser ela mesma, não representa nada, ela é o que é."
Carlos de Brito e Mello fala da morte como possibilidade, diz que a morte compete ao vivo, que o que começa a partir da morte é uma narrativa, e que a morte é fundadora para quem fica. "A narrativa oferece algo a se fazer com a morte. A morte é sem tempo, sem espaço; a narrativa tem algum tempo e algumas espacialidades. A morte é sem destinação, a narrativa possibilita uma destinação, ao menos ao leitor."
Queria livros dos três.

Mesa 4 - Autoritarismo, passado e presente
Luiz Eduardo Soares e Fernando Gabeira mediados por Zuenir Ventura, só podia ser ótimo!!

Mesa 7 - Exílio e flânerie
Esta mesa tinha como tema-título o exílio, mas, parece-me que o exílio como deslocamento, como condição de ocupar um entre-lugar, permeou várias outras mesas.
Paloma Vidal e Teju Cole - ótimas descobertas. Comprei o "Mais ao Sul" da Paloma, ainda não li, depois eu conto. Tive vontade de comprar o "Cidade Aberta" do Teju, mas resisti a esse e a outros, não dava mesmo para trazer tudo.

Mesa 8 - Literatura e liberdade
Adonis e Amin Maalouf, não fiquei até o fim, não pelos autores, talvez pela distância entre mim e eles, não sei.
Lembrei que quando era adolescente cantava Tanto Mar com meus amigos. E escrevi:
O mar, ah... o mar
O meu lugar de mar
o ar
o amplo
o mar
calmo
sempre calmo é o meu mar
e acolhedor, e cálido
o todo

Mesa 10 - Cidade e democracia
Suketu Mehta e Roberto DaMatta com mediação de Guilherme Wisnik
DaMatta trouxe músicas que cantam cidades e lamentou-se por ter esquecido a que Caymmi canta a Bahia.
O "Bombaim Cidade Máxima" do Suketu Mehta me chamou. Reparei que, embora o tema cidades não esteja no centro da minha atenção no momento, tornou-se um possível próximo foco, vários livros sobre o tema me interessaram.
"A cidade é maior que qualquer individualidade." Roberto DaMatta
Levi Strauss foi citado a partir de uma colocação do Mehta sobre ruínas de Bombaim: "a modernidade já nasce arruinada, a construção e a ruína são simultâneas".

Mesa 13 - O avesso da pátria
Zoé Valdés e Dani Laferrière.
Aqui o tema de viver fora do país natal foi marcante. Gostei muito do Dani Laferrière.

Mesa 16 - A imaginação engajada
Francisco Dantas e Rubens Figueiredo
No momento em que tiver mais tempo para ler literatura comprarei "O passageiro do fim do dia" de Rubens Figueiredo, "... por mais distraído que fosse, ainda precisava de distração."
Gostei bastante da forma espontânea com que Francisco Dantas se colocou. Declamou Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto, elogiou o pessoal da pousada que "engomou" a camisa dele que chegou em Paraty "como se tivesse saído de uma garrafa" e lembrou-se de quando esteve em uma jornada literária no Rio Grande do Sul, onde emocionava-se todas as noites ao encontrar um "chocolatinho embaixo do travesseiro".

Mesa 18 - Entre fronteiras
Achei chato e saí logo.
Que bom! É a cura, pois tendo a ficar até o fim esperando que as coisas melhorem.

Na Flip Off fui na ciranda do grupo Os Coroas Cirandeiros, muito divertido! Conheci a autora Marcela Tagliaferri e comprei seu Exílio. Perdi o documentário sobre a poesia de Ana Cristina Cesar, uma pena.

Muitas fotos, o sol, as camisetas e botons do Poeme-se (www.poemese.com), além das pílulas diárias de poesia: "É o comer que faz a fome" Eça de Queiroz. O sarau no cais, os bonecos de material reciclado, a praia, a lua cheia, a praça.

Sorvete, um golinho de cachaça pra provar a Gabriela, café pingado da casa, camarão casadinho no Lapinha, os doces dos carrinhos, chocolates da Maga, o mar invadindo as ruas. A pulseira perdida, as tendas, a livraria, a exposição do Drummond na Casa da Cultura, o encontro com Ana Cristina Cesar e Clarice Lispector no Instituto Moreira Salles, vontade que Gigi também estivesse lá.

A foto com o Drummond, o passeio à beira-rio, o toque do sino de hora em hora, as igrejas, as pessoas perdidas naquelas ruas de pedras, os tropeços, as crianças.

Os livros que comprei:
A revolução do amor - por uma espiritualidade laica - Luc Ferry
Mais ao Sul - Paloma Vidal
O sentido de um fim - Julian Barnes
A vida naquela hora - João Anzanello Carrascoza
Uma superfície de gelo ancorada no riso - Hilda Hilst
Exílio - Marcela Tagliaferri
Descaminhar - Pedro Tostes
Lendas: Tradição Popular - Escola Municipal Nova Perequê

Fim de festa.
Uma história real com cara de ficção - sem surpresas. E, na manhã seguinte, apagão - real - na cidade: fim de banho gelado.

De volta pra casa na companhia sempre adorável de Juju.



8 comentários:

Giselda disse...

Carol querida,

Ai que inveja... "inveja boa, é claro!"
Adorei o "Já não tenho mais a ilusão de não perder nada";
cá entre nós, eu também não.
Adorei também o "Achei chato e saí logo. Que bom! é a cura, pois tendo a ficar até o fim esperando que as coisas melhorem".

Parabéns pelo texto!
Bj.

Érima de Andrade disse...

E você aproveitou pra fazer as pazes com o banho frio?
Muito bom seu relato! também tenho planos d eir numa dessas! Vou me animar!
bjs
Érima

Fernanda Alves disse...

Amei Carol! Linda e poética como sempre! Beijos! Fernanda Alves

Caroline Tavares disse...

Érima, foi um caso de extrema necessidade... nunca farei as pazes com o banho gelado! rs

Washington Lemos disse...

Muito bom! Fiquei na inveja, pois não deu este ano. Em 2011 fui e escrevi sobre no meu blog: http://washingtonlemos.com.br/conteudo/oqueeisso.php/2011/07/14/impressoes-sobre-flip-e-cia

Caroline Tavares disse...

Muito bom seu post Washington, comentei lá! A Flip é um evento super democrático mesmo! Eu gosto do Frei Beto e o mãe é ótimo! E as pedras de Paraty?? Belas pedras, os tropeços fazem parte!

Luciene disse...

Ah, Caro, como você escreve. Irei à Flip para vê-lá em uma das mesas, certo dia no futuro, cutucando a audiência para tirar uma onda de amiga da escritora...

Caroline Tavares disse...

Obrigada Giselda e Fernanda!

hahahaha Quem sabe né Lula??? Enquanto isso podemos nos encontrar em outras mesas por aí!