quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Novos Valores

"Os membros da sociedade de consumidores são eles próprios mercadorias de consumo, e é a qualidade de ser uma mercadoria de consumo que os torna membros autênticos dessa sociedade." (Z.B.)

Há alguns anos identifiquei uma diferença na demanda do consultório. Com o tempo, pareceu-me que aquela diferença tinha motivações "macro", que não estavam circunscritas apenas a minha realidade. Em linhas gerais, eu achava que as pessoas estavam dando menos valor às questões que são trabalhadas em terapia, achava que valores subjetivos estavam dando lugar a valores estéticos e materiais, talvez impulsionados pelo imediatismo - característica não comum nos processos terapêuticos. Observei também, na mesma época, o aumento do número de novas academias, salões de beleza e farmácias que comercializam produtos de beleza e não somente drogas, e não achei que esse fato fosse coincidência. Conversei com algumas pessoas sobre o assunto, mas não acho que tenham compartilhado da minha observação.

Acabo de ler Vida para consumo - a transformação das pessoas em mercadoria, de Zigmunt Bauman, sociólogo polonês já citado em posts anteriores. Comprei o livro porque imaginei que ele fosse fundamentar as minhas precárias idéias, li rapidamente - como não se deve fazer com um livro com conteúdo tão "revelador", e transcrevo aqui partes que me levam a pensar que eu não estava equivocada.

"Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável. A 'subjetividade' do 'sujeito', e a maior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentra-se num esforço sem fim para ela própria se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável."

"A 'subjetividade' dos consumidores é feita de opções de compra - opções assumidas pelo sujeito e seus potenciais compradores; sua descrição adquire a forma de uma lista de compras. O que se supõe ser a materialização da verdade interior do self é uma idealização dos traços materiais - 'objetificados' - das escolhas do consumidor."

"Pode-se dizer que o 'consumismo' é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, [...], transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade, uma força que coordena a reprodução sistêmica, a integração e a estratificação sociais, além da formação de indivíduos humanos, desempenhando ao mesmo tempo um papel importante nos processos de auto-identificação individual e de grupo, assim como na seleção e execução de políticas de vida individuais."

"A questão que exige uma investigação mais atenta diz respeito ao que 'queremos', 'desejamos' e 'almejamos', e como as substâncias de nossas vontades, desejos e anseios estão mudando no curso e em consequência da passagem ao consumismo."

"A economia consumista se alimenta do movimento das mercadorias e é considerada em alta quando o dinheiro mais muda de mãos; e sempre que isso acontece, alguns produtos de consumo estão viajando para o depósito de lixo. Numa sociedade de consumidores, de maneira correspondente, a busca da felicidade - [...] - tende a ser redirecionada do fazer coisas ou de sua apropriação [...] para sua remoção [...]."

"[...] a economia consumista tem de se basear no excesso e no desperdício."

"O valor mais característico da sociedade de consumidores, na verdade seu valor supremo, em relação ao qual todos os outros são instados a justificar seu mérito, é uma vida feliz. [...] uma felicidade instantânea e perpétua. Também é a única sociedade que evita justificar e/ou legitimar qualquer espécie de infelicidade [...], que recusa-se a tolerá-la [...]."

"A 'sociedade de consumidores', em outras palavras, representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas, e rejeita todas as opções culturais alternativas. Uma sociedade em que se adaptar aos preceitos da cultura de consumo e segui-los estritamente é, para todos os fins e propósitos práticos, a única escolha aprovada de maneira incondicional. Uma escolha viável e, portanto, plausível - e uma condição de afiliação.
Essa é uma guinada notável no curso da história moderna, um verdadeiro divisor de águas."

5 comentários:

Paulo Paes disse...

Realmente, revelador o texto do Bauman.
Acho que no momento em que: "temos que nos vender";
para concorrer ao um emprego, temos que criar uma imagem;
tudo é para ontem;
A sociedade se tornou seu próprio produto de consumo.
Já achava o fim a cultura dos "Winners X Loosers", que permeia a sociedade americana, e foi exportada para todo o ocidente, e deu nisso, viramos produtos, viramos objeto de consumo.
Tudo é fast, e o slow está fora de moda.
Só são considerados bonitos quem tem o pdrão Brad Pitt ou Angelina Jolie de beleza.
Cadê a diversidade?

Claudia Sciré disse...

o Bauman é realmente revelador....
preciso ler este livro urgentemente... mas no fundo, o que ele é diz já vem mostrando a cara há algum tempos... cada vez mais nossas subjetividades necessitam de produtos para se afirmar e temos nos tornado refletores destas imagens. Por mais que queiramos apenas nos vestir, frequentar determiandos lugares, comer determinadas coisas, é como se tudo que fizéssemos assumisse cada vez mais o estatuto de espetáculo que tem que ser comunicado aos demais

Anônimo disse...

pra dizer que li e gostei, assim como gostei (e senti um pouco de angústia também) com o texto sobre linha de passe.
beijins!!

Aline Miranda disse...

Isso da troca de valores, da troca de preocupações é algo que me incomoda muito. E eu nunca tinha pensado nisso, em onde as pessoas procuram se fortificar ultimamente.O que você disse não parece mesmo ser coincidência.Que pena,né?

Unknown disse...

Olá!
Sou Bruna Pallini, trabalho na Edelman, agência de comunicação da editora Zahar.
Gostei do seu blog! Ficou muito bom o post com os trechos de Bauman. Como ele diz, a cultura do consumo é a grande responsável pelo acúmulo de lixo e poluição nos grandes centros urbanos. A cultura do consumo descartável e efêmero é crescente e a idéia de um consumo sustentável ainda não prevalece.
Visitarei mais vezes.
Um abraço!